Hannah Arendt e o seu conceito de ‘banalidade do mal’
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segunda-feira, 27 de agosto de 2012
sexta-feira, 24 de agosto de 2012
Algumas ideias acerca de David Hume
Algumas ideias acerca de David Humeby O. Braga |
“A filosofia moral ou
ciência da natureza humana pode ser tratada de duas maneiras diferentes,
cada uma delas tem o seu mérito peculiar e pode contribuir para o
entretenimento, instrução e reforma da humanidade”.
É
assim que David Hume começa o seu ensaio “Investigação Acerca do Entendimento
Humano” [Editora Nova Cultura, São Paulo, 1989, página 63 (1)]. Hume reduziu a moral à natureza
humana, o que significa que (para David Hume) os valores morais não existiriam,
em si mesmos, se o ser humano não existisse. Ou, por outras palavras, segundo
David Hume, os valores que presidem à ética e à moral — por exemplo, o valor da
justiça — são apenas epifenómenos da existência humana, e não realidades
ideológicas em si mesmas. O realista Nicolau Hartmann colocou posteriormente as
ideias de Hume no sítio onde deveriam estar e de onde nunca deveriam ter saído:
segundo Hartmann, os valores da ética e da moral (2) existem por si mesmos — por exemplo, o
valor da justiça existe por si mesmo e não é dedutível de uma qualquer
utilidade; e, conclui Hartmann, existem provavelmente muitos valores éticos e
morais que o ser humano ainda não descobriu.
Esta
ideia de Hartmann é corroborada pela história contada neste verbete, em que uma
mulher ocidental se mistura com povos ou comunidades com uma cultura diferente
daquela que evoluiu na Europa à sombra do Cristianismo que aglutinou em si os
relicários da filosofia grega pós-socrática, do Criador Uno do Judaísmo, e da
filosofia revolucionária de Jesus Cristo que se definiu como “filho do Homem”.
Esta auto-definição de Jesus Cristo como “filho do Homem” foi mal-interpretada e
adulterada na cultura europeia e com o passar do tempo, e de tal forma, que
quando esta chegou a David Hume, a cultura tornou-se antropocêntrica e à moda
dos sofistas que os pós-socráticos tinham combatido. O que Jesus Cristo quis
dizer com a sua auto-definição como “filho do Homem”, é que ele se assume como
“um ser humano entre os seres humanos”, e não que o ser humano é o centro do
mundo e do universo; e, por outro lado, os contratualistas, que Hume
criticou (por exemplo, Hobbes, Locke ou Rousseau), também adulteraram a noção
cristã de “filho do Homem”, embora de forma diferente da de Hume, quando
introduziram, por exemplo, no conceito de “Homem”, a ideia de uma igualdade
materialista radical coerciva e política (por exemplo, com a ideia do “bom
selvagem”) que Jesus Cristo não defendeu (por exemplo, através da parábola dos
talentos, S. Mateus, 25-14).

Neste
contexto, a teoria moral de David Hume é um perfeito absurdo, mesmo que
descontemos a sua contraditória ambiguidade que consiste em começar pela
exaltação das "paixões humanas" entendidas como forças originárias, na sua
teoria da moral, para acabar depois no reconhecimento arrependido do valor do
simbólico, na sua teoria da justiça. Hume inverteu a ética cristã (e estóica)
que afirmava que “é útil porque é justo”; Hume passou a dizer — tal
como a tribo africana supracitada — que “é justo porque é útil”. Foi,
de facto, David Hume o precursor do utilitarismo, e não Bentham.
Para
justificar a sua inversão dos critérios do justo e do útil, David Hume
concentra-se sobretudo nos casos ou hipóteses demonstrativas que se constituíam
como excepções à regra (Hume era homossexual, o que explica
esta sua tendência para se concentrar nos casos que escapam à regra). Neste
contexto, diz Hume que a razão humana é incapaz de provar porque é que é mau
cometer um incesto ou um parricídio, ou de provar porque é que vale mais
preferir um ferimento num dos seus dedos (dos de David Hume) do que preferir a
destruição do mundo inteiro. Se David Hume fosse vivo, certamente que diria que
a razão humana é incapaz de provar por que o casamento de crianças daquela tribo
africana é eticamente condenável — porque, segundo Hume, sendo alegadamente útil
para aquela sociedade tribal, defenderia a ideia concomitante de que tal
casamento infantil seria justo.
Para
David Hume, o valor da justiça é deduzido da sua utilidade (subjectiva e/ou
colectiva); para Nicolau Hartmann, o valor da justiça existe por si mesmo, e não
é dedutível nem é dependente de qualquer utilidade.
Porém,
nem aquela sociedade tribal africana, nem a sociedade ocidental, escapam ao
critério utilitarista da justiça: para aquela tribo, o casamento entre infantes
é justo porque é útil; e, por exemplo, para sociedade ocidental, o aborto também
é justo porque é útil (aos sujeitos que são, muitas vezes, a excepção à regra
que Hume tanto gosta). Concluímos então que em nenhuma das duas culturas (a
tribal africana e a ocidental) se reconhece o valor moral independente da sua
utilidade. É por isso que aquela mulher ocidental não tem, nem autoridade de
facto, nem autoridade de direito, para poder criticar aquele costume anético e
irracional da tribo africana.
Paradoxal
e ironicamente, utilitarismo de David Hume transformou a sociedade ocidental
naquilo que ele próprio criticava em Rousseau: numa sociedade de “bons
selvagens”.
(1) Como se
verifica, não preciso do Acordo Ortográfico para ler um livro editado no Brasil.
(2) A ética está para a moral, como a musicologia está
para música.
O. Braga | Sexta-feira, 24 Agosto 2012
at 11:08 am | Tags: David Hume, Moral, moralidade, Nicolau Hartmann, utilitarismo | Categorias: aborto, ética, cultura, educação, Europa, filosofia, Justiça, Livros, Sociedade, Ut Edita | URL: http://wp.me/p2jQx-cRc
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